Leituras 26 – Psicodrama do luto

Marisol Figueira e José Antonio Espina Barrios


A cultura ocidental apoia a fantasia da imortalidade. Os doentes ficam isolados em hospitais, onde tudo o que não funciona é transplantado e só são devolvidos quando se recuperam “magicamente”. Cada vez menos pessoas morrem em casa. O hospital e a funerária cobrem fria e assepticamente esse rito de passagem. Aquele que vai morrer fica escondido dele sobre seu fim próximo, e aquele que permanece não consegue expressar seu sentimento de isolamento e perda.

Seguindo Espina Barrio A. B. (1992), os ritos de passagem marcam mudanças no continuum de nossas vidas e são o que moldam nossa personalidade. Para Eliade, os ritos de passagem têm duas fases: numa é reconhecida a “morte” do estado anterior, e na segunda é “ressuscitada” a nova fase. Leach segue as etapas de Gennep (separação, margem e incorporação), e sustenta que cada uma requer uma série de ritos que, em conjunto, formam o rito de passagem.

Se os ritos de iniciação à idade adulta ainda forem preservados, por ex. casamento não é o mesmo que a morte de nossos entes queridos. O falecido não é mais vigiado em casa, suas virtudes ou defeitos não são mais proclamados, nem a expressão de sentimentos que permite incentivar o trabalho do luto. Isto só ocorre em alguns locais isolados onde persistem costumes saudáveis ​​(Lamas Crego e Filgueira Bouza, 1992). Não é de surpreender que tal repressão de sentimentos opere a partir de dentro do organismo e, meses depois, apareça como úlcera psicossomática, sensação de falta de ar, labilidade emocional, diminuição do humor, etc., sem associá-los conscientemente ao desaparecimento do morto, ainda que, às vezes, os sintomas simulem a doença do ente querido.

Hübbler Ross estudou esta situação de forma clássica. Vamos nos referir à forma psicodramática de enfrentar o luto, que abrange e aprofunda a obra do referido pioneiro. Dentro da Associação Espanhola de Psicodrama, a linha do psicodrama antopológico tem sido muito fecunda, que investiga nas raízes da cltura com o fim de extrapolar a situação atual (Lamas Grego y Filgueira Bouza, 1992, 1993; Filgueira Bouza, Varea Cascallar y Gonzales Vásques, 1996).

O psicodrama antropológico tenta recuperar aqueles ritos antigos que proporcionam uma maior significado para as nossas vidas e, suponho, um aumento nas nossas capacidades e recursos. Mas não pretende ser uma repetição fiel fora do lugar e do tempo. É uma criação atual e não uma supervalorização dos ritos primitivos, com a falsa crença de que tudo o que é tribal foi melhor. Precisamente, o que nos distingue dos curandeiros é a nossa qualidade de estudo, coletar, comparar e aplicar os aspectos saudáveis ​​da sua prática e divulgar uma forma de ato que pode ser repetido, validado ou refutado pelos nossos colegas.

No psicodrama do luto, o objetivo é desbloquear o processo normal de luto que, por diferentes razões, está detido. Após o comentário verbal do
sentimentos, o protagonista, que é o roteirista da peça, é solicitado a escolher a cena com a qual deseja começar.

Geralmente é com a pessoa morta. Se você optar por este encontro, nossa primeira fase será que ele reconheça a separação entre ele mesmo e seu ente querido. O psicodrama permite que você se encontre com a pessoa amada, conte o que sente falta ou resolva pendências que eles nunca antes se falaram. Além disso, fui capaz de mudar o seu papel para a pessoa que morreu, encarnar seus sentimentos e, a partir daí, compreender a separação de suas existências.

Se o que falta é uma margem, a técnica do espelho dá-lhe a possibilidade de se distanciar da sua situação existencial, de se ver de fora e de poder mudar aquela situação não resolvida pela qual admitiu a sua separação, mas a sua dor o faz conduzido ao isolamento e à rejeição de seu átomo social. A mudança de papéis com as pessoas próximas permite recuperar o seu ambiente social e, acima de tudo, vivenciar as diferentes formas de resolver o luto.

A fase de incorporação do enlutado exige ter aceitado sua ausência, despedindo-se dele. Às vezes pode-se usar a palavra despedida, mas é preferível que o protagonista diga ao seu ente querido quais qualidades dele vai guardar dentro de si, o que manterá viva a sua memória e, acima de tudo, sairá enriquecido de coisas novas, habilidades que não tinha antes. Dessa forma, aceita-se a morte, o que constitui um processo de crescimento pessoal quando são incorporadas as qualidades da pessoa que faleceu.

Embora o processo psicodramático seja basicamente o mesmo, nossa atitude difere dependendo da estrutura em que trabalhamos. Nos seminários sobre psicodrama do luto, o primeiro objetivo é não prejudicar e auxiliar o protagonista antes do possível desfecho da dramatização. Não há continuidade e é importante cuidar de todos os participantes, para que não se sintam abandonados. Durante a psicoterapia de grupo, que envolve continuidade nas sessões,
o objetivo é ajudar o protagonista até onde ele deseja ir, mas nunca além. Se o programa psicodramático não tiver sido concluído, sairá em outras sessões. É permitida uma margem para digerir o luto e, posteriormente, dar outros passos. Também trabalhámos noutros contextos para além dos mencionados, como o individual e o familiar (Espina Barrio, 1993, Filgueira Bouza, 1995, 1996).

Como exemplo de nossa maneira de fazer as coisas, descreveremos uma série de exemplos em que foram realizadas intervenções focadas no luto tratado com psicodrama.

Psicodrama focal do luto

Com o termo “psicodrama focal” nos referimos ao psicodrama aplicado a partir da abordagem da psicoterapia breve e focada no problema. O processo de intervenção ocorre conforme segue:

  1. É detectada uma situação de bloqueio na evolução clínica ou situação vital do paciente.
  2. A exigência de intervenção com psicodrama é explicitada.
  3. O psicodramatista articula uma equipe terapêutica sob sua responsabilidade. É desejável que esta equipe inclua o terapeuta que formula o pedido (‘derivado’) e, eventualmente, outros profissionais relacionados ao caso: assistente social, enfermeiros, assistentes psiquiátricos, médicos residentes/psicólogos… Não é essencial, embora é útil, eles têm formação em psicodrama. A equipe também pode se configurar como profissionais egoassistentes (pessoal formado em psicodrama) não relacionados ao caso ou mesmo como pessoal não relacionado ao caso e sem formação em psicodrama, desde as Indicações no Intervenções específicas serão instruídas, em última instância, pelo psicodramatista. A intervenção ainda poderá ser realizada quando não houver equipamento disponível, com coterapeuta (coterapia psicodramática) ou único terapeuta (psicodrama de duas pessoas).
  4. A primeira sessão exploratória é agendada, apenas com o paciente (psicodrama
    individual ou de duas pessoas), ou com familiares que possam acompanhá-lo em determinado momento (psicodrama familiar), se possível com objetivos específicos pré-estabelecidos com base nas informações obtidas na apresentação do caso. Esta sessão geralmente é continuada com o tratamento imediatamente, sem intervalo para nova consulta. Neste caso, a sessão exploratória constitui na verdade a fase de aquecimento da sessão de tratamento.
  5. A sessão de tratamento consiste em uma entrevista exploratória inicial, a fim de completar a história clínica e obter dados para a montagem da cena (aquecimento). Quando não é a primeira sessão, o aquecimento é realizado com a observação dos dados derivados das sessões anteriores, a análise de possíveis alterações e a busca de novos pontos de necessidade. A cena pode ser sugerida pelo paciente ou preparada pela equipe terapêutica, quando o paciente não colabora ou há interesse específico em trabalhar em uma situação concreta. É dirigido pelo psicodramatista, e os membros da equipe terapêutica e/ou familiares do paciente intervêm como auxiliares do ego, se necessário, quando estão presentes. Os egos auxiliares sempre trabalham com as instruções e ajuda (através da dublagem) do psicodramatista. Uma vez trabalhada a cena, a equipe, o paciente e/ou familiares comentam o trabalho realizado, seus efeitos e prognóstico (fechamento – eco grupal). Após o feedback, a equipe pode fazer prescrições ou atribuir tarefas ao paciente e familiares para futuras sessões ou acompanhamentos. A próxima consulta está marcada.
  6. A equipe, na ausência do paciente e de sua família, analisa o diagnóstico, discute a Intervenção, avalia os resultados e formula hipóteses sobre a evolução esperada. É coletado e gravado o material da sessão.
  7. Na primeira revisão do caso após a intervenção, os resultados e a hipótese. Se a evolução foi satisfatória (se os efeitos foram alcançados e mantidos como esperado), não são realizadas mais sessões de tratamento e o acompanhamento é realizado pelo tratamento convencional do paciente pelo seu terapeuta habitual. Caso a evolução não tenha sido favorável, avalia-se a indicação de realização de mais sessões de tratamento psicodramático ou desenham-se novas
    estratégias de intervenção com recurso a outras abordagens.

É importante destacar que a decisão de continuar o tratamento é adequada somente quando houver alta probabilidade de produzir mudanças, ou seja, quando
houver fundamentos teóricos e empíricos que sustentem a eficácia do psicodrama para o problema específico revelado durante a primeira Intervenção. Inicialmente, qualquer caso pode ser admitido para tratamento, mas este só terá continuidade se houver garantias mínimas de benefício para o paciente.

Aplicado ao tratamento do luto, remetemos para um trabalho anterior (Lamas Crego e Filgueira Bouza, 1992), onde comentamos as percepções de Freud sobre os aspectos que nos permitem discriminar entre luto e melancolia. Ambas as imagens mostram sintomas semelhantes: “um estado mental profundamente doloroso, cessação do interesse pelo mundo exterior, perda da capacidade de amar e inibição de todas as funções”. Só a perda do “amor próprio”, com todo o seu cortejo de autocensuras, excluindo a melancolia, nos permite diferenciá-lo do luto normal, um estado de profundo sofrimento pela perda de um ente querido que o tempo irá gradualmente atenuar. Para Freud, o trabalho do luto exige que, uma vez aceitadas as evidências do desaparecimento do objeto amado, passemos a abandonar, pela libido, todos os antigos laços com ele. Se esta perda não for aceita, se a realidade não triunfar, pode surgir uma psicose alucinatória: estaríamos então diante de um luto patológico (reação a uma perda conhecida mas não aceita), em contraste com o luto normal (reação a uma perda conhecida e aceita) e com a melancolia (reação a uma perda inconsciente, desconhecida pelo sujeito). Toda perda exige tempo: “o normal é que o mandato da realidade obtenha a vitória…, mas só se realiza gradativamente, com grande dispêndio de tempo e energia, continuando a existência psíquica do objeto perdido”.

Ali também reproduzimos, reformulamos, as fases do luto propostas por diferentes autores (Kübler-Ross, Bowlby,
Weissmann…):

  1. Choque ou embotamento: reação de atordoamento, sensação de vazio e crises emocionais ou calma paradoxal quando conheça as novidades. Dura entre várias horas e uma semana.
  2. Negação e isolamento: o sujeito não consegue acreditar no que aconteceu (“Não é possível, não é verdade”). Ele se separa do ambiente.
  3. Raiva: descarga agressiva e reprovações às pessoas ao seu redor. Começa duas ou três semanas após a perda. Por toda parte há motivos de reclamação e irritação, tentativas de recuperar o objeto perdido (“Por que isso está acontecendo comigo?”, “Por que ele me abandonou?”…) e, às vezes, auto-recriminações (“O quê? Por quê?” eu não faria mais por ele?)
  4. Pacto ou barganha: o desaparecimento começa a ser aceito, mas o sujeito busca uma forma de amenizar ou compensar a situação, uma espécie de troca com promessas, trocas, adiamentos… (“Só mais alguns meses…”, “Leve-me com ele”, “Se ele voltar, prometo…”).
  5. Depressão, desorganização, desesperança: é o momento de maior sofrimento. Irreversibilidade reconhecida a situação, surge o choro desconsolado, a perda de funcionalidade, a inquietação, as lembranças e uma sensação de proximidade do objeto perdido que, por vezes, pode levar a alucinações. A duração é de um mês a vários meses após a perda.
  6. Aceitação: reconhecimento do óbvio com maior serenidade.
  7. Resolução de separação por decatexia: despedida e dissociação do objeto perdido. A esperança de recuperação pode ser mantida, mas sabendo que não é
    possível.
  8. Recuperação de restauração: retorno progressivo ao normal.
  9. Relinking: estabelecimento de novos links nas pessoas à sua volta.

Resumidamente, todas essas etapas podem ser resumidas em três:

  1. Não: “não é verdade, não aconteceu”.
  2. Sim, mas não: “sim, aconteceu, mas não posso aceitar ou suportar”.
  3. Sim: “sim, aconteceu e você tem que aceitar e sobreviver”.

O processamento normal da perda exige a passagem por todas as etapas, o que, em média, costuma durar aproximadamente um ano. Para que o processo transcorra sem maiores problemas, a fase de raiva e descarga, bem como a reconexão com a realidade, são absolutamente necessárias. A negação da perda, normal no primeiro período, define o luto patológico quando dura mais do que conveniente: a tentativa desesperada de se agarrar à presença fantasiada e impossível daquele que se foi, ou de tentar recuperá-la quando a ausência persiste e obriga ao confronto com uma realidade insuportável, impedir ou atrasar o trabalho do luto num prazo razoável de tempo . Outras características do luto patológico são a paragem em alguma outra fase, o exagero dos sintomas esperados e o aparecimento de comportamentos desviantes que colocam em risco a saúde física da pessoa afetada (imprudência, tentativas de suicídio…). A vivência da solidão, do desamparo e do vazio inpreenchível pela perda de uma figura sentida como insubstituível determina essa fixação, bloqueando o indivíduo em todas as suas atividades. O sentimento de abandono injustificado e incompreensível desperta uma carga agressiva de raiva e ressentimento para com o ambiente e para com o falecido que não deu oportunidade de fazer um balanço da relação e preparar-se para prescindir dela, principalmente quando a morte ocorre repentinamente. A falta de uma despedida consciente e precoce deixa no ar uma boa quantidade de questões pendentes: tudo o que se queria que fosse feito e nunca foi feito com o falecido em vida. A negação da perda e a repressão dos sentimentos são as causas da patologia do luto.

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O tratamento deve alcançar o reconhecimento da derrota, conscientizando a pessoa afetada de que a recuperação não é possível e a liberação de sentimentos reprimidos para aliviar a tensão, tornar a perda suportável e iniciar os ajustes necessários ao novo ambiente, tem quatro tarefas básicas:

  1. Prevenir a repressão: forçar as pessoas a lembrar e reviver os acontecimentos.
  2. Apoio emocional: compensar o desamparo.
  3. Assistência Social: aprendendo habilidades de enfrentamento com os problemas da vida cotidiana.
  4. Reconstrução: estabelecimento de novos vínculos.

A metodologia psicodramática disponibiliza recursos especialmente valiosos para este processo para articular o trabalho terapêutico do luto: trazer à cena o falecido e todas as figuras-chave do átomo social da pessoa afetada relacionadas à situação, bem como objetos significativos ligados a o falecido (seu corpo, o caixão, roupas e objetos pessoais, fotografias, cartas…), permite descarregar, despedir-se e cancelar pendências, elaborando o relacionamento e facilitando a partir desse momento a reconexão com o meio ambiente.

O processo terapêutico também ocorre em etapas:

Dimensão do passado
1. Consciência e reconhecimento da morte (Iminente ou já ocorrido).
2.Cancelamento de pendências.
Dimensão atual
3. Adeus.
4. Descarga emocional das experiências contidas.
Dimensão futura
5. Busca de apoio externo no meio ambiente, parcial e potencialmente substitutos do valor perdido que, mesmo sem compensar a perda, podem torná-la suportável.
6. Vincular-se novamente e retornar ao mundo real.

Para ilustrar esta metodologia e as diferentes abordagens e as decisões sobre a descontinuação ou continuação do tratamento, referimo-nos a trabalhos anteriores onde os fatores são descritos detalhadamente (Filgueira Bouza, 1990, pp. 12-17), com resultados insatisfatórios (Filgueira Bouza, 1990, pp. 37-54) e com resultados favoráveis ​​(Filgueira Bouza, 1989, pp. 8-12m 17-21, 22-29; Aqui, oferecemos apenas os dados mais relevantes sobre casos de luto. Todos os casos de luto trabalhados psicodramaticamente têm produzido resultados satisfatórios, mesmo os mais graves pela duração, pelo risco de suicídio ou pela apresentação de sintomas pseudopsicóticos, que geralmente chegam erroneamente diagnosticados como depressão maior ou psicose. Isto foi demonstrado desde o início (Filgueira Bouza, 1989), e continua a ser confirmado a cada nova Intervenção (Filgueira Bouza, 1995), de modo que, progressivamente, a procura aumenta e se dirige nesse sentido, suscitando a necessidade de uma elaboração consistente que serve de enquadramento para esta linha de tratamento. Este enquadramento está a ser alcançado através da articulação de estudos antropológicos sobre a morte e o luto, teorias do luto e teoria psicodramática (Filgueira Bouza, 1992, 1995).

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Resumimos os casos publicados:

  1. Mulher, 57 anos. Ele entra em estado de estupor catatônico, que mais tarde se revela como uma “calma paradoxal” diante do choque causado pela morte de sua mãe. O confronto da paciente com sua falecida mãe em uma cena imaginária onde sua mãe, antes de morrer, a convida a se despedir, pois em alguns minutos ela não estará mais ali e não terá mais essa oportunidade (técnica de limite de tempo para provocar uma reação nova em uma situação extrema), permite à paciente descarregar o ressentimento que sentiu por ter sido abandonada. A própria quitação implicava o reconhecimento da perda (“executar a vingança” exigia admitir que havia motivos para se vingar) e, quando a negação da morte desaparece, o processo normal de luto prossegue e a recuperação
    é alcançada (Filgueira Bouza, 1989, pp. .8-12).
  2. Homem, 60 anos. Foi internado por grave tentativa de suicídio, após período de inquietação e inquietação, com diagnóstico de depressão maior, transição para estado maníaco, dores de cabeça, parestesias, sensação de desmaio e histórico de diversas tentativas anteriores de suicídio, todas de graves, desde a morte do filho em um acidente, quando estava com alguns amigos. Encontra-se num estado de ‘desesperança’, com grande perda de funcionalidade. Uma foto do filho na parede da sala mantém sua fixação na figura do morto e o impede de superá-la. Apresenta alucinações visuais liliputianas (os amigos do filho lhe parecem anões na grama quando está cortando a grama e ele tem que afastá-los para não machucá-los), hipnagógicas (vê o padre que enterrou seu filho, que vem para levá-lo embora) e alucinações auditivas (vozes de seus outros filhos, emigrados em um país distante, que lhe dizem que estão voltando para casa), o que determina um diagnóstico posterior de psicose alucinatória aguda. É um cambio de papéis entre o paciente e seu filho falecido o que produz o desbloqueio quando o paciente, no papel de seu filho, pede que ele renuncie a sua recuperação e sobreviva voltando seu afeto nos outros filhos e no resto da família. Vindo com o pedido do seu “filho preferido”, a quem nada pode negar, adquire a força necessária para fazer o esforço, sem sentir que lhe está a trair a lealdade, e inicia a reconexão (Filgueira Bouza, 1989, pp. .22-29).
  3. Mulher, 57 anos. Tratada ambulatorialmente por depressão desde que seu filho morreu em um acidente. Ela está em estado de isolamento, veste-se de luto estrito, sofre de pseudoalucinações (seu filho sai do túmulo, embrulha-a e leva-a consigo). Não alcança aceitação. Numa inversão de papéis imaginária, seu filho pede que você siga em frente porque dói vê-la assim. Conseguimos nos livrar do luto, que alívio. Reencontra um vizinho (Filgueira Bouza, 1995, pp.241-243).
  4. Feminino, 18 anos. Tratada ambulatorialmente por crises emocionais autolesivas, tonturas, desmaios e perda de funcionalidade desde a morte da irmã em um acidente, durante uma viagem onde ela teve que ir em seu lugar. Ele quer se matar para ir para o lado dela. Ele está em estado de “choque e negação”. A aceitação da morte é forçada através da gestão das visitas ao cemitério, da gravação da lápide, das velas na memória… São propostas mudanças de papéis imaginários com os pais, outros irmãos, amigos… para fazer sentir os efeitos da morte e sua possível ausência (se for morta). Lá ele encontra o motivo para continuar vivendo. Alcançar o reengajamento e retornar à funionalidade (Filgueira Bouza, 1995, pp. 243-245).
  5. Homem, 59 anos. Tratamento ambulatorial de luto (primeiro caso bem diagnosticado desde o início – seu terapeuta estava ciente das experiências preliminares). Sua esposa desapareceu e há suspeita de suicídio (pular no rio), pois ela tinha um longo histórico de depressão e ameaças anteriores de suicídio. Ele realiza luto antecipado, já que o corpo ainda não foi encontrado, com reconhecimento de morte. Ele trabalha a culpa (acredita que deveria ter controlado mais), possíveis pendências (o que não foi dito – o que não foi feito com os mortos), a despedida e o reencontro com a filha e um neto tão esperado, ainda não existente, imaginando-o em projeção para o futuro. Provoca-se uma intensa descarga emocional, com restauração e retorno à funcionalidade como resultado do processo. A temida recaída não ocorreu quando o corpo da esposa foi encontrado no rio, um mês depois (Filgueira Bouza, 1995, pp.245-251).

Conclusões

O psicodrama se mostra uma forma útil de recuperar rituais perdidos.

Serve para desbloquear situações de luto interrompidas.

É complementar a outras terapias, como psicofarmacológico e individual.

Pode ser feito em momentos de crise, como durante o confinamento psiquiátrico.

Pelas suas características, pode ser um instrumento essencial para a aquisição das competências necessárias à realização da psicoterapia do luto.

Embora a maioria dos exemplos sejam individuais, podem ser utilizados em família ou em grupo (Espina Barrio, 1993; Filgueira Bouza, 1996).

A partir da nossa experiência, desenvolvemos um programa simples para que as equipas de cuidados primários possam desbloquear situações de luto não resolvidas. É um programa de prevenção, e não de intervenção terapêutica. Se a sua aplicação não funcionar, é aconselhável continuar com o psicodrama.

(Está resumido na tabela abaixo)

PROGRAMA PARA LIDAR COM O LUTO

AÇÕES

Comente o que você sente falta da pessoa amada
Informar o que aconteceu desde que você se foi
Coletar o legado ou fazer algumas coisas como a pessoa amada faria.

EFEITOS

Facilitar o reconhecimento da ausência
Expressar emoções reprimidas
Reconhecer a perda
Melhorar a aceitação
Conectar o enlutado com seu átomo social
Internalizar a dor
Melhorar a si mesmo com contribuições do outro

(José Antonio Espina Bairro, 1995)


BIBLIOGRAFIA

1. ESPINA BARRIO, A. B.: Manual de Antropologia Cultural, “Coleção Ciências do Homem”, Amarú, Salamanca, 1992 (p.434)
2. ESPINA BARRIO, J.A.: O Cadáver – Psicoterapia do Luto: Individual, Casal, Familiar e Grupal, VII Encontro Nacional da Associação Espanhola de Psicodrama, Informação Psiquiátrica, 20. Trimestre, N. 132, 1993 (pp.275-285).
3. FEINSTEIN, D. e MAYO, P.E.: Sobre Viver e Morrer – Um Programa de Afirmação da Vida para Enfrentar a Morte, “Nueva Era”, Vol. 50, Edaf, Madrid, 1993 (p.171) (Traduzido do VO, Mortal Acts., 1993 por Elías Sarhan).
4. FILGUEIRA BOUZA, M.S.: Psicodrama. Intervenções direcionadas, II. SISO SAUDE (Boletim da Associação Galega de Saúde Mental), 1990, 15, 36-54.
6. FILGUEIRA BOUZA, M.S.: Psicodrama Focal do Luto Patológico. Informação Psiquiátrica, 1995, 140, 237-251.
7. FILGUEIRA BOUZA, M.S.: Psicodrama Focal na Prática Clínica. mil novecentos e noventa e seis (não publicado).
8. FILGUEIRA BOUZA, M.S., VAREA CASCALLAR,L. e GONZALES VAZQUEZ, A.I.: A Noite de San Juan: uma Perspectiva Psicodramática. Delegação Provincial da Corunha, 1996.
9. LAMAS CREGO, S. e FILGUEIRA BOUZA, M.S.: Pranto – Psicodrama Popular contra o Luto Patológico. Links (Jornal de Psicodrama, Terapia Familiar e outras técnicas de grupo), 1992, 4, 81-127.
10. LAMAS CREGO, S. e FILGUEIRA BOUZA, M.S.: El Canaval de Laza: Psicodrama e Antropologia. IX Encontro Nacional da Associação Espanhola de Psicodrama. Reus (Tarragona), 1993.


ENDEREÇO DO AUTOR

Marisol Figueira
Endereço: Casal 32-A Sésamo
15189 CULLEREDO – La
Tel. +9 34 81 676468


Leituras 26 – Psicodrama do luto
Tiragem desta edição (novembro de 1998): 1600 exemplares
Coordenação Geral: Moysés Aguiar / Antonio Ferrara
Uma reedição para o computador de Leituras da Companhia do Teatro Espontâneo.